Ontem à noite, do quintal da minha
casa, pude acompanhar o duplo espetáculo astronômico que foi o eclipse total da
lua e a lua de sangue. A ótima visibilidade nos favoreceu ver a lua sumir e
ressurgir imensa, bela, sanguínea. Acontecimento igual a esse somente se
repetirá em 2033, dizem os astrônomos.
Nas cidades grandes, muitos moradores
não tiveram a mesma sorte que eu e meus conterrâneos: de ter diante dos olhos
um céu límpido e livre de edifícios e do excesso de luzes. E, por esse motivo,
muitos não puderam contemplar, dos seus próprios quintais, terraços ou jardins,
o espetáculo gratuito que o céu nos presenteou na noite de 27 de setembro de
2015.
Coisas que uma cidade de 22 mil
habitantes ainda pode proporcionar aos seus moradores: um céu
"observável". Até quando? Até se encontrar repleta de luzes e de
imensos edifícios. Quando isso acontecerá com Pio XII? Não sei. Ninguém sabe.
Na semana que passou, eu e meus
alunos andamos conversando sobre o futuro de Pio XII. Nesse diálogo - muito
proveitoso, diga-se de passagem - procurei instigá-los a refletir sobre a nossa
realidade, para que possam escrever bons artigos de opinião e participar da olimpíada
maranhense de língua portuguesa.
Assistimos um vídeo sobre a cidade de
Pio XII em 1991. Um dos principais contrastes observados foi a calmaria das
ruas e do trânsito, bem diferente de como é hoje. Ao saber que vinte e quatro
anos atrás, nossa cidade sequer tinha uma praça e a energia elétrica costumava
faltar com frequência, foram poucos os jovens que desejaram ter uma máquina do
tempo e fazer uma visita àquela época.
E olha que estamos falando da última
década do século XX, os anos 90. E como seria Pio XII na época da sua fundação,
final da década de 50? Em entrevista gravada, anos atrás, para um trabalho
acadêmico sobre a origem de Pio XII, um dos nossos mais antigos habitantes, o
senhor Antonio Manoel de Lucena conta
que "nesse tempo tinha muito sezão, hoje é malária que chama, naquela
época era sezão". Diz mais:
"A gente não podia andar muito
nessa época não, porque era muito violento aqui; (...) era uma violência
danada, prendiam as pessoas e amarravam, era uma coisa nojenta, (...) de 62 até
70 era uma coisa sem limite, (...) nessa época tinha muita festa, muito mais do
que tem hoje, (...) e não tinha segurança, aí o povo se matava, (...) nessa
época tinha muito cabaré, pra todo lado tinha cabaré e naqueles cabarés tinha
festa direto, (...) a gente só escutava à noite era o tiroteio (...) não era
nem pra matar, era para se amostrar, (...) essa maconhada que tem hoje, não
tinha não, mas tinha uma cachaçada danada, (...) aqueles homens que tinham uma
mente melhor não saiam não, com medo da violência, (...) hoje a gente acha que
aqui tá desarrumado, mas não tá não, de 59 até 70 aqui era um destroço"
(Antonio Manoel de Lucena). Tempos brabos, meu senhor.
Sabemos que apesar de pequena, nossa
cidade hoje começa a sofrer com problemas como a violência e o tráfico e o
consumo de drogas. Assim, é mais que necessária a reflexão coletiva sobre o
futuro que almejamos, como esta propiciada pelo trabalho da olimpíada de língua
portuguesa. Sem visões apocalípticas ou falsos saudosismos. É importante
valorizarmos a nossa liberdade de pensamento e de expressão e a experiência de
cultivá-la. Não esqueçamos que o município de Pio XII foi fundado às vésperas
da ditadura e passou metade de sua história imerso no obscurantismo imposto
pelo regime militar.
Portanto, carpe diem: que possamos hoje contemplar o eclipse lunar e essa
magnífica lua vermelha sem deixar de pensar em como iremos contemplá-los de
novo em 2033. Se não em nossos lares, mas nos espaços públicos de uma
comunidade vivível.
Pio
XII, Maranhão, 28/09/2015.
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