Há sete meses, a Prefeitura de Pio
XII asfaltou um pequeno trecho da Rua do Sossego, entre a BR e a Rua Alferes
Sudário. Esse trecho da Rua do Sossego tinha como antiga denominação “Rua dos
Pretos”. E, mesmo sendo uma das mais antigas do município de Pio XII e de estar
localizada tanto perto da BR 316 como perto do centro da cidade, a rua nunca
tinha sido asfaltada antes. Assim, não é de se estranhar que essa “novidade”
tenha sido comemorada por muitos moradores e pelos representantes da
administração municipal. É válida a comemoração. No entanto, é necessário
refletirmos sobre as prováveis razões de um logradouro tão antigo ter ficado “esquecido”
por décadas pelas autoridades municipais. No meu entender, esse “esquecimento” é
a expressão inequívoca do preconceito racial institucionalizado.
O logradouro, repetimos, informalmente
denominado “Rua dos Pretos”, é um daqueles tantos casos de batismos espontâneos
de ruas. Assim, o nome pode representar uma homenagem aos seus primeiros
moradores, que, em sua maioria, eram negros. Vista por outro ângulo,
infelizmente, a suposta homenagem poderia simbolizar a transformação da rua em
gueto, como se a intenção fosse a de alertar a um transeunte incauto: “cuidado,
estás a pisar em território de ‘pretos’; logo, coisas de ‘pretos’ aí
encontrarás”. Acredito que foi o preconceito enraizado no espírito de prefeitos
e secretários municipais o que os tornou insensíveis às necessidades da rua e
de seus moradores, entre as quais a necessidade de asfalto. Afinal, as ruas
principais e adjacentes que perfazem o núcleo central da cidade de Pio XII,
entre elas a antiga “Rua dos Pretos”, existem desde 1977, ano da mudança e
constituição da nova sede do município. E, no entanto, somente em 2015 a rua
recebeu asfalto pela primeira vez.
Porém, independentemente de como
se analise a questão, é inegável que as pessoas que moram na rua têm todo o
direito de se alegrar, depois de longos anos de espera. Fiz ontem uma visita à
rua e ouvi o comentário de uma moradora, que destacou que uma grande diferença que
ora se observa é, por exemplo, nos dias de chuva: antes do asfalto, as pessoas
caminhavam com extremo cuidado sobre o barro escorregadio. Hoje esse risco não
existe mais.
Mesmo sabendo que o prefeito Paulo
Veloso não fez mais que a sua obrigação, não podemos deixar de elogiá-lo. Seja
em valores econômicos ou quanto à sua extensão, a obra não é grandiosa. O que
deve ser ressaltado é a atitude republicana da administração municipal em
mostrar que esse pequeno trecho da Rua do Sossego não é um gueto ou uma senzala
urbana e que os moradores da rua merecem ser tratados com respeito.
A história deixa as suas lições. A
principal é a de que a política municipal precisa desenvolver ações que visem a
superação do “esquecimento” a que foram relegados os negros em Pio XII.
Eu iria mais longe e afixaria uma
placa na entrada da rua com os dizeres: “Este
trecho da Rua do Sossego, batizado informalmente de ‘Rua dos Pretos’ e que tem
entre os seus primeros moradores cidadãos afrodescendentes, só foi asfaltado
pela primeira vez em fevereiro de 2015. Fica aqui o nosso agradecimento pela
obra e, ao mesmo tempo, o nosso protesto pelos longos anos de esquecimento”.
Pio XII, Maranhão, 21 de setembro de 2015.
Escelente texto, ele retrata com excelência a realidade. Parabéns
ResponderExcluirEu não acho
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